Há nove anos, o lar de idosos Porto de Abrigo adotou a filosofia de cuidados Humanitude, de origem francesa. Gestos e técnicas mudaram e os resultados também: olhar, toque e palavra são ferramentas de trabalho e o bem-estar imperou, tanto para utentes como para profissionais. O Expresso conta-lhe o que diferencia este lar, onde se promove o respeito pela individualidade e as famílias são bem-vindas
Em 2012, um Porto de Abrigo nasceu em São João de Ver, em Santa Maria da Feira: um lar de idosos cujo nome surgiu da vontade de ser “um porto seguro, um lugar de confiança”, onde as pessoas “se sentissem bem e confortáveis”. Dois anos depois, os membros da equipa estavam “desorientados”. Mas tudo acabou por mudar.
“Sabíamos o que queríamos, mas não sabíamos como fazer. O momento de cuidados de higiene, por exemplo, era tenso. As cuidadoras estavam exaustas”, recorda em conversa com o Expresso a diretora técnica, Alexandra Ferreira da Silva. A formação que tinham não estava a ser suficiente e, em busca de uma solução, depararam-se com a metodologia desenvolvida pelos franceses Yves Gineste e Rosette Marescotti, a filosofia de cuidados Humanitude.
Trata-se de “profissionalizar a relação entre o cuidador e a pessoa cuidada”, o que significa “perceber que o olhar, o toque e a palavra do cuidador são ferramentas de trabalho” que, “quando utilizadas de forma profissionalizada, garantem o bem-estar da pessoa que recebe os cuidados”, explica a responsável.
A transformação refletiu-se num conjunto de princípios, nomeadamente respeitar o sono de cada um. “Não acordamos ninguém para prestar cuidados de higiene, o que é uma prática muito corrente”, exemplifica. “Podemos servir o pequeno-almoço no quarto ou na sala de refeições em função de a pessoa acordar mais cedo ou mais tarde. Não queremos que a organização se sobreponha ao bem-estar das pessoas.”
As portas estão abertas e todos são “livres de circular por todos os espaços e de escolher o sítio onde querem permanecer”. Não são utilizadas contenções físicas nem medicação para controlar a eventual desorientação das pessoas com demência. “Pacificamos os comportamentos de agitação com estratégias não farmacológicas. São estratégias relacionais, de ambiente, sensoriais. São estratégias de ocupação do tempo, de redirecionar a atenção para outros espaços, por exemplo com menos estímulos, de pensarmos atividades individualizadas em função de cada pessoa”, resume.
Acima de tudo, o lar é um “lugar de vida”. “É uma casa onde todas as famílias podem entrar, a qualquer hora do dia. Podem vir almoçar, jantar, dormir. É uma casa aberta e a família faz parte desta casa”, retrata. “Às vezes as pessoas acham que é impossível que as famílias venham a qualquer hora, quando pretendem e que permaneçam. Mas é verdade. E nunca tivemos nenhum problema.”
CAMINHO DE SUCESSO
A aprendizagem do novo método de trabalho e a aplicação de novas técnicas tiveram impacto não só nos idosos, mas também nos profissionais. A recusa de cuidados por parte dos utentes é praticamente inexistente, assim como o comum problema da rotatividade de pessoal não se coloca. As cuidadoras são “a chave da qualidade do serviço”, daí a aposta na respetiva capacitação e valorização.
Recentemente, a instituição tornou-se a primeira em Portugal a receber o Selo Humanitude, certificação francesa que distingue práticas diferenciadoras nos cuidados prestados. Depois da formação inicial em 2014, foi percorrido um “caminho” com um “grande investimento de trabalho”, aponta Alexandra Ferreira da Silva. É necessário cumprir um conjunto de requisitos e critérios “em termos da organização e funcionamento do lar e das práticas de cuidados”, seguindo-se depois uma auditoria, que culminou na atribuição do selo – que representa uma “garantia de bom trato”.
A equipa do Porto de Abrigo considera ser preciso “mudar a ‘cultura de controlo’ para uma ‘cultura de autonomia’” no “universo” dos lares de idosos em Portugal – um “mundo” que “precisa urgentemente de ser olhado”. As pessoas que vivem nos lares “têm direitos”, que “muitas vezes não são respeitados”. E também os cuidadores necessitam de maior atenção: uns porque “precisam de ajuda para cuidar melhor”, outros porque “deveriam ter valorização social e reconhecimento pelo excelente trabalho que fazem”.
Artigo escrito por Sofia Correia Baptista e ilustração de Sara Tarita
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