Praticar a tolerância

Novembro o mês, 16 o dia. Escolhidos para lhe dedicar atenção, com mais pompa, que as circunstâncias de hoje não deixam muita margem para duvida sobre o quanto ela nos faz falta. A tolerância. E um mundo inteiro a precisar de a praticar.

Esqueça tudo o que sabe, sem receios. Deixe ficar guardado o conhecimento acumulado e parta numa viagem pelo pensamento, com a certeza de quem confia que o saber das experiências feito se entranha debaixo da pele e, como tal, não se perde assim de repente. Tudo o que sabe há-de cá estar, quando voltar. Mas, por agora, embarque nesta aventura, mesmo que se estranhe ao começar. Recorde ou imagine um lugar pouco familiar, na companhia de uns quantos desconhecidos, por tempo indeterminado…suficiente para parecer uma situação de por os nervos em franja, não é verdade?

Parece que já se ouve: “isso não é nada normal!”, em tom de sobrolho levantado… Pois bem, já que falamos de tolerância, leia até ao final. Pensando em cenários mais próximos, vamos partir do bom princípio de questionar sempre e nunca tomar nada como verdade absoluta. Por exemplo, procure responder: o que é isso a que chamamos «normal»?

A regra, o usual. Por outras palavras, o que acontece mais vezes e que por força da repetição nos fazem crer que se torna exemplar. O risco que corremos? Julgar que normal seja sinónimo de acertado, erradamente. A consequência? Fazer cara feia à diferença quando nos esboça um sorriso, sem lhe dar a oportunidade de se apresentar e mostrar que, quase sempre, muito mais é o que nos une que aquilo que nos separa.

Da próxima vez que vir um mapa repare na quantidade de diferentes caminhos que podem levar de um ponto A a um ponto B. Não hesite em descobri-los, um a um, pelo próprio pé ou na voz de quem por lá passou. Pratique a tolerância, a pensar um mundo melhor. E acrescente valor ao seu saber com tudo o que os outros têm para dar.

Marta Faria

a carta

Olá medo, como tens passado? Espero que esta carta te encontre bem. Ainda ontem ouvi falar de ti, de maneira que fiquei a pensar e resolvi escrever-te a contar sobre os tempos que têm corrido…receio não trazer apenas boas notícias, mas sabes como não são sempre iguais os dias no mundo real.

É verdade, ainda ontem ouvi falar de ti…sabes que tens as costas largas, tu?
Vives em tantos sítios, apareces em tantos rostos, fazes parte de tantas histórias, mas raramente dizes que estás lá. Às vezes consegues andar despercebido demasiado tempo até chegar o momento em que te descobrem e te põem no lugar! E então lá vais à procura de outra casa vazia para ser nova morada.

Acho que podias perder esse hábito de te disfarçares e ires mexer com outros sentimentos só para desviar a atenção quando precisas que olhem para ti. É que as pessoas têm coisas para viver e às vezes custas-lhes muitas oportunidades, como se lhes gastasses as fichas todas antes de aprenderem a disfrutar da montanha russa, que só vale bem a pena depois de passar o frio na barriga no precipício da descida.

Escusas de ter medo, medo. Ninguém te está a mandar embora, sabes porquê? Porque as pessoas continuam a achar que é bem-vindo quem vier por bem. E tu vens por bem, se aceitares ser simplesmente quem és.

Experimenta largar as roupas que costumas usar.
Despe a camisa-de-forças, vá. Afinal, as pessoas que tanto queres prender? Ao contrário do que pensas, acabas sempre por afastá-las, levando-as para longe de si mesmas.
Larga por aí a capa, também. Pára de fazer filmes com a vida de toda a gente que encobres na tua sombra e fazes desaparecer, um pouquinho de cada vez. Se pegarem nela e a quiserem lançar pelas costas, não te oponhas, deixa-os encher de ar o espírito de super-herói.

Observa a sua coragem, espero que te sirva de inspiração. Espero que sigas os seus passos e te enfrentes. Claro que o desconhecido assusta mas se tentares é provável que apareça a esperança para te dar a mão. Se isso acontecer, salta!

Não me leves a mal, medo. Digo-te isto para teu bem. Sei que te aguentas, és mais forte do que julgas, só te falta arriscar. Também sei no que estás a pensar…e se cair?

Então…e se aprenderes a voar?

Marta Faria

em três andamentos

O tempo perguntou ao tempo «quanto tempo o tempo tem?». E o tempo respondeu ao tempo que «o tempo tem três tempos e precisamos saber em qual viver para nos sentirmos bem». Passado. Presente. Futuro. Essa é fácil, toda a gente sabe. Vamos, pois então, à pergunta que não quer calar: qual deles acontece aqui e agora, onde a vida se faz, numa sucessão incessante de instantes que passam num piscar de olhos?

À primeira vista parece uma resposta evidente e não é de facto muito complicado, até porque o nome não engana. Presente - ou aquilo que está a acontecer a cada segundo de consciência, de nós e do mundo que nos rodeia. Acontece que se fosse assim tão simples não tinha a mesma graça. Nem valia a pena o convite para parar e pensar...

A verdade é que viver no presente (com certeza já deve ter ouvido por aí) tem um tanto que se lhe diga e anda muitas vezes disfarçado de viver em modo de voo, quase como se fossemos melhor treinados para acomodar em vez de resolver a angústia do “vai-se andando”, que é como quem diz deixar a vida correr ao sabor do que der e vier e depois logo se vê.

E se, de repente, nos desligassem o piloto automático e ganhássemos plena consciência de cada momento, a todo o momento? Um tanto ou quanto semelhante à experiência em que damos por nós a prestar muita atenção, sem querer, à conversa que corre na fila do supermercado ou na sala de espera para a consulta…falando nisso, tenho esperança de que esta seja uma experiência universal e transmissível, já não tem mal nenhum ouvir e levar no pensamento, basta só saber não falar quando não é o momento.

Talvez descobríssemos que levamos demasiadas vezes a vida como um jogo de pingue-pongue, a saltar por cima do presente, agarrados ao passado e presos ao futuro. No final das contas o resultado é como ouvia numa conversa recente…a vida passa e não aproveitamos nada. Recordar pode ser viver e sonhar pode ser crescer, mas o truque está em ficarmos mais atentos a cada momento presente, aprendendo a deixar ir dores antigas depois da lição aprendida tanto quanto a não deixar de abrir as portas e janelas que vão lá estar ao virar da esquina.

Há, neste nosso mundo real, quem muito bem o saiba fazer. Pessoas comuns, equipadas com sistema GPS, orientadas no destino de Gerir a Própria Sorte. Quer por o seu a funcionar? Olhe mais para dentro enquanto estiver lá fora.

Sinta, pense sobre o que sente e decida que lutas vale mesmo a pena travar.
Tente, vá em frente, mas seja qual for o resultado, aceite que a vida segue sem parar.
E então, continue. Afinal, há sempre vida no presente.

Marta Faria

elogio do não

Pode parecer a escolha de tema errada para esta época. Ainda em modo descontraído, quando os dias esticam as horas, corridos pela onda de férias que nos leva para onde apetece tão pouco falar a sério… Pois é por isso mesmo, porque os argumentos de sempre estão guardados no fundo da gaveta, aquela que agora deixou saltar cá para fora a boa disposição, a tolerância e o espírito zen, que precisamos aproveitar a oportunidade para falar da importância do “não”, assim de mansinho. E dizer que andamos a tratá-lo muito mal.

É compreensível, na lufa-lufa de todos os dias, que passe despercebido. Mas a verdade é que usamos e abusamos do “não”, de tal maneira que uma palavra que deveria estar relacionada com a tomada de decisão às vezes mais parece um exercício de autoritarismo. Que o digam as nossas crianças e, sobretudo, jovens.

Com o bem-estar do tempo de descanso à flor da pele e o regresso à escola e ao trabalho à espreita, pais e mães, vamos aligeirar: “sim” e “não” andam de mão dada. Como duas faces da mesma moeda, um não existe sem o outro, o que quer dizer que ambos devem ser usados, com moderação. A sua missão não é salvar-nos de cometer erros, mas ensinar-nos a errar melhor, que é como quem diz, perceber a que escolhas nos devemos agarrar e o que devemos deixar cair para poder continuar.

Sim, limites são importantes orientadores do percurso de desenvolvimento, para toda a vida. Sem eles, ficamos à deriva. Só que quando são demais não nos deixam navegar, toldam-nos o comportamento para se desligar do pensamento e seguir, de preferência silenciosamente, que é a maneira mais rápida de lá chegar. Chegar onde? Precisamente, essa é a grande questão.

Por outras palavras, se começa pelo “não”, a educação corre sérios riscos de descambar para a terra pantanosa da proibição, que a cada passo é uma lotaria, já que de olhos bem tapados nunca adivinhamos quando nos sai o bilhete-premiado-da-grande-asneira. Claro que nesta terra já saberíamos que a asneira não devia acontecer! (Perdoem a imagem, provavelmente exagerada). Mas acontece! É a vida.

E não sei bem se será pelo fruto proibido ser o mais apetecido, mas desconfio. Já vi muitos e maus comportamentos mascararem a dúvida e a falta de conhecimento dos miúdos sobre qual deveria ser a atitude mais acertada. E mais grave, o medo da repreensão faz tremer qualquer tentativa de pedir ajuda e lá se vai a voz na hora de perguntar.

Pais e mães, vamos aligeirar outra vez: ninguém nasce ensinado. O papel das crianças e dos jovens é manter a curiosidade para aprender. E a maior parte, a sério, sabe cumpri-lo muito bem. Cabe aos crescidos em redor saber alimentar esta sede, com os truques certos.

Tem aí em casa traquinas a quem ler a cartilha no regresso à escola? Por onde vai começar? Se tem um “não” a querer saltar debaixo da língua, experimente reformular. Aqui fica só uma ideia para se inspirar…um «bom abraço» e um «sei que és capaz» depois de explicar como preparar a mochila, com um ensinamento sobre a forma adequada de estar na escola à medida que se guarda cada caderno, em branco, prontinho para encher de aventuras.

Marta Faria

vamos para a ilha?

Somos pessoas de sorte. Com sorte.
Trabalhamos numa casa bonita e acolhedora, que além de cuidar de pessoas de forma exemplar também cuida de quem nela trabalha. E cuidar também é levar a passear. Mimar.

Este verão andámos de moliceiro e conhecemos a ilha dos puxadoiros. Aprendemos sobre a arte dos marenotos, a flor do sal, as ostras, provamos salicórnia, vimos flamingos e pernilongos e hoje sabemos mais sobre as salinas e o sal da vida. Na ilha sentimo-nos pequenos face à beleza dos sítios especiais do nosso país que estão bem perto de nós, pequenos face ao privilégio de conhecer projetos construidos com amor, face ao silêncio dos pássaros e ao respeito do homem pela natureza quando dela depende o resultado do seu trabalho. 

O dia em que fomos à ilha vai ficar na nossa memória e será certamente recordado por todos nós como um bom momento. Vivemos uma experiência nova e diferente de tudo o que nos é familiar. Acreditamos que viver experiências novas e diferentes fortalece laços que perduram no tempo. A visita à ilha dos puxadoiros faz parte da nossa história, da nossa identidade enquanto Abrigo. Dias como estes reforçam o orgulho que sentimos no Abrigo que somos. E, sim, é muito bom saborear o sal da vida!  

Queremos agradecer à Puritana e ao Henrique a partilha do seu conhecimento e experiência, a paixão com que nos apresentaram o seu projeto e o brilhozinho nos olhos quando falam do seu trabalho.

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