Cartas de amor

Em dezembro, com a aproximação do Natal, o nosso coração ficou ainda mais apertado.

Os procedimentos COVID, o distanciamento das famílias, a ausência de abraços de quem mais amamos, o confinamento, as máscaras e todas as limitações que a vida nos impunha.

Foi nesse contexto que nasceu o projeto cartas de amor.

 

Não quisemos inovar, quisemos regressar ao passado.

À altura em que perfumavam os envelopes e que se sabia a hora exata da chegada do carteiro. Quando se recebiam cartas de amigos, de amor e da família distante.

Convidamos as pessoas que vivem no Porto de Abrigo a escrever uma carta à moda antiga. Para enviar pelo correio, com direito a selo, para quem quisessem.

Convidamos de igual forma as famílias a escrever uma carta e a enviá-la por correio para O Abrigo.

Guardamos no coração tudo o que nos faz chegar mais perto das pessoas que amamos.

Estamos muito orgulhosos do resultado das nossas cartas de amor.

As famílias não nos surpreenderam, a sua resposta foi a de sempre: imediata, presente e cheia de carinho.

A felicidade e o brilho nos olhos que as cartas de amor trouxeram foi talvez o nosso melhor presente de natal.

 

Não sabemos quanto tempo falta para ultrapassar o momento que atualmente vivemos.

Sentimos que é fundamental, dar passos para começar a recuperar aos poucos a alegria e a leveza de apreciar o momento.

Por falar nisso, o correio já chegou?

#naruaporsi

Gostávamos de ser super-heroínas com superpoderes!
Mas não somos! Somos apenas pessoas.
Pessoas angustiadas e ansiosas,
Pessoas com medo.
Pessoas que todos os dias, continuam a sair de casa,
Para trabalhar
Para continuar a cuidar de quem precisa de nós
De quem conta connosco
Mesmo que o peito aperte e o nó na garganta não desapareça
Cuidamos de quem precisa, de quem conta connosco!
A força e a coragem vamos buscar ao nosso coração
Que sabe que não é fácil, mas é preciso!
A força e a coragem vamos buscar ao nosso coração
Que nos diz que se um dia precisarmos para nós e para os nossos
Poderemos contar com pessoas que, também com medo, angústia e ansiedade, estarão lá
para cuidar de nós
A força e a coragem vamos buscar ao nosso coração
Porque somos pessoas!
#naruaporsi

Suspensão de visitas | Coronavírus

 
De acordo com a orientação da Direção Geral de Saúde, O Abrigo informa que, a partir de hoje, se encontram suspensas temporariamente as visitas ao nosso lar de idosos - Porto de Abrigo.
Agradecemos a compreensão e colaboração de todos.
A equipa do Porto de Abrigo está disponível para o esclarecimento de qualquer questão via telefone.

A alimentação nos lares de idosos

 

Comida fria, hambúrgueres queimados e pratos simplesmente triturados em papa. É esta, muitas vezes, a comida servida em lares de idosos.


“A comunidade e as famílias só se apercebem disso quando se deparam com a necessidade. Até lá, este é um universo paralelo, porque ninguém quer saber de lares"


Joana (nome fictício), 29 anos, visitou o avô inúmeras vezes no lar onde vivia e que fazia parte de uma clínica privada de Lisboa. Viu-o emagrecer. “[A comida] Era incomestivel. O natural é que eles não queiram comer", diz à MAGG.
Os idosos institucionalizados em lares estão em pior estado nutricional do que aqueles que estão em casa. É o que mostram os números: 38,7% estão em risco de malnutrição e 4,8% em risco de desnutrição, comparativamente aos 16,9% e 0,6%, respetivamente, que não estão aos cuidados de nenhuma instituição.
Estes dados são avançados pela Ordem dos Nutricionistas (OA), que, passado um ano desde que a Assembleia da Republica recomendou ao Governo a presença obrigatória de nutricionistas nas instituições do setor social e solidário, lamenta que nada tenha sido feito nesse sentido.
Mas estará na escassez de nutricionistas a raiz do problema? Ou poderá estar antes no contexto em que se obriga as pessoas a comer? Na falta de cuidados face ao ambiente, à preparação dos pratos e das próprias mesas? Mais: não poderá estar a restrição dos horários de refeição também a contribuir para este cenário? Ou a falta de formação dos cuidadores? São muitos os fatores a ter em causa.

“Os nutrientes são importantes, mas no caso dos lares de idosos é secundário. A premissa básica é que as pessoas comam”, considera a jovem natural de Lisboa, que nos adianta que os menus e dietas eram aqui — como em todos os outros locais — categorizadas consoante a condição de saúde da pessoa.
Por exemplo: uma pessoa que tenha problemas de hipertensão fará uma dieta sem sal, uma pessoa com problemas de deglutição deverá fazer uma dieta líquida. Mas a comida não muda consoante a tipologia do regime — apenas a forma com que se apresenta. “Os pratos são adaptados às dietas, ou seja, se for sem sal, retira-se o sal do peixe. Se for líquida, eles trituram o peixe e as batatas e dão aquilo numa papa. A mesma coisa com a carne. É muito mau”, conta.
Já viu servirem hambúrgueres queimados e comida fria. “Não é só o cuidado nutricional que conta, mas tudo o que envolve: a preparação, a confeção, a conservação”, diz. Sem dúvidas quanto ao grande esforço dos funcionários, não consegue deixar de lamentar aquilo a que assistiu. “As pessoas já estão em baixo e deprimidas. É natural que não queiram comer, muito menos quando é este o tipo de comida que se serve.”
Alexandra Bento, bastonário da OA reconhece este problema: “É preciso tornar a comida apelativa, saborosa e que vá ao encontro dos gostos e das tradições. Vemos que estas pessoas acabam por ser institucionalizadas e não se guarda relação nenhuma com aquilo que eram os seus gostos e práticas.”
Para a nutricionista, aquilo que não se pode permitir “é que idosos gozem de mau estado nutricional — têm de ser acompanhados do ponto de vista alimentar, para que se alimentem tanto em quantidade, como em qualidade, o que contempla os seus gostos, preferências e as condições especificas que possam ter, porque muitos deles arrastam um conjunto de doenças crónicas que têm de ser acauteladas.”

"Não é só o que comem, mas sim, como comem, onde comem e com quem”
Rafael Efraim Alves, enfermeiro especializado em medicina geriátrica e membro da Humanitude Portugal — uma cooperativa de solidariedade social, que pretende a melhoria da qualidade dos cuidados em contexto geriátrico — tem contacto frequente com lares de idosos e reconhece desde logo o problema da malnutrição.
Só que, tal como Joana, explica que o principal problema está no contexto e no cuidado com que se dá comida aos utentes. “Quando vamos a um restaurante, qual é a coisa mais importante? A comida ou a forma como ela é servida? Como é que é possível termos mais de 80 pessoas com necessidades nutricionais, cognitivas, executivas e relacionais diferentes numa sala, para comerem todos em apenas uma hora? É impossível."
Afinal, uma refeição não é só comida — é também tudo o que está à volta disso. “Não tem a ver só com o que comem, mas também com tudo o resto: quem dá a refeição, como se dá, o sítio onde come. Temos de perceber que tipo de apoio é que elas precisam, temos de pensar nas estruturas dos refeitórios. É fundamental sabermos sentar as pessoas, escolher quem é que fica ao lado de quem, por exemplo.”
Ângelo Valente dá-nos a perspetiva de um cuidador. Teve um contacto muito próximo com idosos em diferentes lares e foi um dos animadores responsáveis pelos famosos vídeos do Centro Comunitário da Gafanha do Carmo. Conhece bem os obstáculos na tarefa que é garantir que os utentes se alimentem.

Considera que a “comida e a hidratação nas instituições são um dos aspetos com que se tem mais cuidado”, pelo menos, naquelas em que trabalhou. “No nosso caso, tínhamos uma empresa externa e um nutricionista que fazia o garante de uma boa alimentação”, relata. “Tivemos pessoas com diabetes que foram tão controladas que deixaram de apresentar os sintomas e isso tem muito a ver com o que comiam. Mas tínhamos outras pessoas que não queriam comer ou queriam comer aquilo que queriam. E isso também é uma condicionante.”
Apesar de as condições e dos cuidados, reconhece que a responsabilidade de alimentar as pessoas nestas instituições é uma das tarefas mais duras. “As pessoas de facto comem muito pouco, independentemente da comida ser boa ou má. Há muitas que estão emocionalmente doentes, psicologicamente muito abaladas”, diz. “Há pessoas com sintomas de demência, que estão só muito tristes e deprimidas: deixaram as casas, não aceitam a velhice e sentem-se dependentes. E isso influencia muito a alimentação.”
Aqui, refere, levanta-se uma questão quase filosófica porque a única liberdade que resta a muitas destas pessoas está em decidir se querem ou não comer, se querem ou não beber água. “É muito complicado, porque temos mesmo de forçar a pessoa a alimentar-se e a beber água.”
Apesar de tudo, o ex-animador reconhece que nem todas as instituições dão as mesmas condições aos utentes, ainda que as normas das Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) sejam muito controladas e as dietas muito regradas.
“Há práticas em que misturam a comida toda e fazem uma papa que nem nós não seríamos capazes de comer”


O Abrigo — Centro de Solidariedade Social de João de Ver, uma instituição que inclui uma estrutura residencial para idosos (o Porto de Abrigo) e um centro de dia, em Santa Maria da Feira, abriu em 2012. Desde então, houve várias alterações no modo de funcionamento deste lar. Alexandra Ferreira da Silva, diretora técnica, terá identificado vários pormenores que pioravam a vivência das pessoas que ali residiam. As rotinas de refeição, por exemplo, levaram uma grande reviravolta.

Com formação de base em serviço social, acredita que são muitos os fatores que contribuem para os números que a OA avançou. Um deles é exterior às condições dos espaços que recebem os utentes.
“Muitas pessoas já entram nos lares com uma saúde frágil, numa condição física debilitada”, diz. Além disso, é também comum haver uma grande discrepância entre o número de idosos e de cuidadores. “As instituições costumam ser muito grandes, com muitos utentes e as pessoas a trabalhar estão sempre em número insuficiente. Se calhar, insuficiente para as motivarem a comer.”
Mas também sabe que, na maioria das vezes, a forma como estes espaços estão estruturados, bem como as regras implementadas, não contribuem para que os estados debilitados melhorem. Os lares, diz, tendem a ser espaços tristes, muito diferentes da casa de onde os residentes vieram e sempre moraram.
“A comunidade e as famílias só se apercebem disso quando se deparam com a necessidade. Até lá, este é um universo paralelo, porque ninguém quer saber de lares. Só quando vamos procurar é que vemos os sítios e dizemos: ‘Aqui jamais’ ou ‘Isto é assim? Isto existe mesmo?’” Mas, relembra: “Um dia vamos ser nós.”
No Porto de Abrigo, onde residem 28 idosos, foram instauradas várias regras de modo a que os utentes residam num sítio que lhes lembre a sua própria casa.
“Há instituições que só servem comida em horário de refeitório, que é limitado. Em nossa casa não comemos só quando temos fome — comemos quando nos apetece”, aponta. “Internamente, é uma das questões que procuramos assegurar: ter comida disponível em vários espaços, para quando a pessoa se sentir motivada a comer — pode ir desde tostas a fruta."
Além disso, aqui as pessoas podem ter comida no quarto. “Se aquilo que o idoso tem como mais seu no lar é o quarto onde dorme, porque todos os outros são comuns, faz todo o sentido que neste espaço possa ter comida.”
A isenção de restrição de acesso à comida, bem como a possibilidade de armazená-la em condições no quarto são dois fatores que incentivam os idosos a comer. Mas há mais. Ao nível do refeitório, por exemplo, quiseram aplicar várias estratégias que o grupo francês Humanitude defende e que vão ao encontro das necessidades referidas tanto por Alexandra Bento, como por Joana ou Rafael Efraim Alves.
Regra geral, os refeitórios das instituições para idosos tendem a ser locais muito pouco estimulantes para que o momento da refeição possa ser agradável. “Há pessoas com diferentes níveis de autonomia. É muito complicado para uma pessoa relativamente bem estar a fazer uma refeição com uma pessoa que não está e que é capaz de lhe roubar comida do prato, que está a tossir constantemente ou que se está a sujar. É natural que percam a vontade de comer”, explica.
Por isso, aqui criaram-se sítios distintos, que possibilitam que grupos de idosos façam refeições separados. Num dos locais estão os mais autónomos, no outro estão os mais dependentes e que precisam de ter alguém a dar-lhes a comida à boca, por exemplo.
Faz toda a diferença para que a tenha vontade de comer, porque não são só os alimentos que importam. “Nós quando vamos a um restaurante e jantamos com alguém procuramos um espaço com o qual nos identificamos. Os refeitórios dos lares não têm essa preocupação: são grandes, barulhentos, com pessoas diferentes. Nós, se tivéssemos de almoçar ali, perderíamos o apetite."
Alexandra Ferreira da Silva salienta a importância de um bom ambiente, capaz de tornar a refeição num momento agradável de convívio e que vá ao encontro do significado que esta parte do dia, culturalmente, sempre assumiu. “Comemos pelo prazer de comer e não só pela fome. Não podemos institucionalizar este momento e retirar a componente social associada à comida.”

Os cheiros, a apresentação, a mesa posta, com todos os talheres (mesmo que a pessoa já não os consiga usar) são outros pormenores a que aqui se dá importância. “As cuidadoras que fazem o refeitório têm formação interna para empratamento”, conta.
As mesmas regras são aplicadas nas refeições pastosas: “Quando as refeições são trituradas, nunca envolvemos os diferentes sabores. Temos uns pratos que têm umas divisórias e colocamos o arroz triturado numa divisória, a cenoura noutra, para que os alimentos não percam totalmente a sua identidade, como a cor ou os cheiros", explica. “A realidade em lar é um bocadinho triste neste sentido. Há práticas em que misturam a comida toda e fazem uma papa que nem nós não seríamos capazes de comer. Tudo isto é muito pouco amigo de uma refeição apelativa.”
Os cuidadores, refere, têm de ser pessoas com muita sensibilidade. O almoço e o jantar são ótimos momentos para se perceberem as fragilidades de cada utente. “É necessário que os lares olhem para os refeitórios não só como momentos de refeição, de rotina, mas como momentos para trabalhar um conjunto de questões, como, por exemplo, perceber se, emocionalmente, a pessoa está bem. É uma ótima altura para os cuidadores estabelecerem esta ligação.”
Além disto, há regras na forma como, por exemplo, se faz a alimentação assistida a quem não consegue comer autonomamente: o cuidador tem de estar sempre sentado, em frente ao utente, a olhar, interagir e criar relação com ele. Infelizmente, estas são regras muito próprias do Porto de Abrigo: “Muitas vezes o que se vê é que estão de pé, a dar a comida, mas a olharem para outra coisa.”

Sobre estas práticas não serem aplicadas na maioria dos espaços, Alexandra compreende que existem limitações “do ponto de vista institucional”. No entanto, acredita que é possível fazer de outra forma.
“As organizações têm de começar a perceber que construir o ambiente é fundamental para as pessoas em refeitório estarem melhor do ponto de vista sensorial, do ponto de vista da relação que se cria. Temos de ter cheiros, de tornar bonito o refeitório, de pôr uma toalha bonita, uma flor numa jarra, uma mesa completa. O contrário não respeita a prática do comer socialmente. “


“Muitas vezes, a nutricionista é muito restritiva nos lares”
Antes, as ementas do Porto de Abrigo eram criadas por nutricionistas, mas agora já só trabalham com estes especialistas em regime de consultoria. “Eram muito restritivas”, explica Alexandra. “Tentamos ir ao encontro das tradições e da cultura da nossa comunidade. Porque é que aos 85 anos as pessoas vão deixar de comer aquilo que comeram a vida toda e que lhes dá prazer?”.
Neste lar há duas categorias de ementa: o prato normal e o prato de dieta (que pode ser sem sal). Além disso, há as refeições pastosas e as outras com uma consistência normal. As indicações médicas específicas são seguidas, mas há muitos pratos saborosos.
A cozinheira Anabela faz por agradar os nortenhos que aqui vivem. Por isso, há comida de churrasco, há farinhas de pau, francesinhas, massa à lavrador com rodelas de chouriço, rojões, arroz de feijão, arroz de tomate, pataniscas, leitão assado na Páscoa e gelado, “que eles gostam muito.” Basicamente, “tudo o que os nutricionistas detestam”, mas que, por outro lado, satisfaz os utentes, dando-lhes vontade de comer.
“Queremos dar-lhes tudo o que precisam do ponto de vista de saúde, mas também não as queremos prejudicar”, diz. “A falta das coisas que lhes dão prazer é que realmente as mata mais depressa.”

 

O link para o artigo é este.

 

cento e uma histórias de amor

 

Gostamos de contar sobre aqueles que entram na nossa vida e esta é uma história que se impõe diferente. Porque guarda nos olhos cor de mar e no meigo sorriso memórias de uma vida tão longa que foi preciso viver 100 anos até chegarmos a ter o privilégio de sermos nós a entrar na dela, esperamos que para ficar.


Diz que nunca pensou contar tantos, mas ao que parece existe um segredo para conseguir. Como quem sabe falar sem precisar de palavras baixou a cabeça, chegou-se mais perto, juntou os indicadores num só e ergueu as mãos para partilhar este gesto, em jeito de quem entrega uma sabedoria maior.


É bem provável que estivesse a falar de amor, afinal, diz que o amor foi a sua sorte. Quando não deu tempo de crescer no colo da mãe, que a vida lhe roubou sem idade para perceber nem como nem porquê. Quando não houve meio de ficar com o pai, que em tempos idos não se fazia fé que os homens também soubessem criar.

O amor foi a sua sorte. Quando os tios velhinhos a acolheram para a guardar, lhe deram casa para ficar e primos para brincar. Tanto amor para uma menina só, que os ciúmes deles se confundiam com a vontade de a proteger. E ao lembrá-los, sorri.

O amor foi a sua sorte. Quando o namoro passou a vir, com hora marcada, só para a ver da porta da casa onde não havia ordem de entrar. Mais velho, ela tão nova, envergonhada de o gostar. Tanto amor que ele esperou e ela cedeu, para nunca se arrepender. E ao lembrá-lo, sorri.

O amor foi a sua sorte. Quando tomou para si o desejo dele de não ter filhos, mas a casa se foi enchendo de filhos dos outros que, pouco a pouco, lhe alegraram o coração. Tanto amor que mantém o dom de não precisar do sangue para tecer os laços que a ligam aos outros. E em cada reencontro diário, agradece e sorri.

A Miquinhas completa hoje 101 anos de vida, mas há vários dias que na casa se sente festa. Há certa pompa nesta circunstância, não tem como não ser um dia especial, muito especial. Há, sobretudo, muita honra neste Porto, que lhe é de Abrigo, por podermos presenciar e proporcionar que o amor continue a ser a sua sorte. É, agora, um tanto a nossa também. Muitos Parabéns!

 

Crescer é aprender a voar

  • O Abrigo
  • creche

A convite do Semi-Internato de Nossa Senhora da Encarnação da Congregação das Irmãs Concepcionistas ao Serviço dos Pobres estivemos em Elvas para dar a conhecer o trabalho da creche do Abrigo. 

Do ponto de vista técnico, a nossa partilha encontrou eco na assistência: O trabalho pedagógico em creche é importante, há várias formas de o alcançar e de ter sucesso.
No Abrigo temos a garantia de que fazemos o que dizemos que fazemos reconhecida pela certificação nível A de acordo com os Manuais de Avaliação da Qualidade da Segurança Social. O nosso projeto educativo e método de trabalho inspiram-se no Crescendo em Qualidade da Gabriela Portugal e diariamente, as nossas educadoras aplicam a metodologia de projeto no trabalho que desenvolvem com as crianças.

Apesar da confiança que sentimos nas ferramentas que utilizamos, sabemos que isso não chega. E muito perto da fronteira com Espanha, encontramos cuidadoras no Semi-Internato de Nossa Senhora da Encarnação que também o sabem.
É muito difícil ter a capacidade de conseguir olhar para aquilo que fazemos, ver a sua importância, questionar, duvidar e querer continuar a procurar formas de fazer melhor. Porque questionar o que fazemos todos os dias deixa-nos sem chão. Vermo-nos pelos olhos dos outros é um exercício que nos provoca desconforto e medo. Mas, é fundamental. Porque somos pessoas que cuidam de pessoas. E às vezes deixamos de as ver. E, no correr dos dias, ao fim de muitos dias, deixamos de nos ver também. 

Em Elvas, fomos recebidas com muito carinho.
Voltamos para casa com um grande exemplo da equipa de cuidadoras do Semi-Internato de Nossa Senhora da Encarnação, algumas das quais com 40 anos de experiência de trabalho com crianças pequenas: não há que ter medo de continuar a olhar para nós próprias com espírito crítico e reflexivo, à medida que o tempo passa e que a nossa experiência de trabalho se vai acumulando.
O passado, a história são importantes para nos lembrar quem somos. Mas, o futuro constrói-se agora e todos os dias.

workshop - cuidar em humanitude

 

Esta fotografia assinala o dia em que dinamizamos o workshop "Cuidar em Humanitude" no II Seminário de Investigação, Inovação e Intervenção em Gerontologia, na Escola Superior de Educação do Porto.

Na fotografia estão também cuidadoras do Porto de Abrigo que foram assistir à apresentação. Como é evidente, não podemos ir todos. No entanto, sempre que possível, procuramos garantir a presença de alguém que represente a equipa nestes momentos. Para que sintam e tragam para casa a notícia do quanto enche o coração sentir a reacção das pessoas quando ouvem falar do trabalho do Abrigo. E também, para que nos chamem a atenção para o que faltou dizer. Para que possamos fazer sempre melhor.

Acreditamos que é na equipa de cuidadoras que está o poder de fazer acontecer todos os dias. São estas pessoas que põem em prática os princípios da organização e funcionamento, a filosofia humanitude e a metodologia de trabalho que o Abrigo desenvolveu. Porque não basta saber para onde se quer ir. Quando vamos bem acompanhados, a viagem faz-se melhor!

A vitória da Micas

 

Pouco tempo passava desde que o Porto de Abrigo estava de portas abertas quando chegou às novas vidas, para ficar. Mestre de vocação, não sabia a Micas o quanto ainda havia de ter para nos ensinar.

O rosto de olhos atentos e sorriso simples, os caracóis que os dedos enrolavam, sem precisar de ajuda, todas as manhãs. A postura de quem gosta de gastar o tempo a observar o que passa à volta, tantas vezes as mãos atrás das costas, sem largar o terço e o livrinho pequenino da palavra maior.

Os chinelos para passear pelo corredor e sentar à janela em dias de chuva, o chapéu para acenar o “volto mais logo” à saída para passear pela terra ao sol. A voz grave e o jeito calmo, de quem sabe de si.

Quando estamos em casa, em família, as rotinas tomam-nos os dias e saber que está tudo igual diz-nos quase sempre que continua tudo bem. Mas não naquele dia de verão, porque naquele dia a Micas não chegou. Naquele dia a Micas chamou.

Ao som da campainha foi encontrada caída no chão do quarto e, a partir desse momento, muito mudou. Quase um mês de distância até cumprir o desejo de voltar a casa, tempo que não chega a ninguém para se preparar para a nova vida que trazia o diagnóstico de AVC, a disartria, o défice motor e a disfagia grave.

Um prognóstico reservado quanto à recuperação, sem investimento nas certezas de nada. Só a evidência, ou a impotência, de dar tempo ao tempo. É preciso tempo para aceitar o que não se pode controlar, o que não dá para voltar atrás e mudar. É preciso tempo para continuar.

E com tempo a Micas deixou-nos entrar. Abriu-nos o seu mundo, antes tão só seu, e aceitou a nossa ajuda para a cuidar. Não esqueceu que existe mais mundo lá fora, e quis sair da cama outra vez. Voltou à sala e à família do Porto de Abrigo, demasiado grande para caber completa em visitas no quarto.

Três meses de uma nova vida que foram também muitas horas das vidas de muitas pessoas que lhe querem bem. Momentos de dúvida, ansiedade e angústia. A tentativa e o erro. A intuição ancorada no conhecimento e uma sensibilidade que está sempre em flor, na pele de quem sente e não desiste. Um gesto, assumido e repetido como quem não precisa das palavras para falar: aquela sonda não era para ali estar, por isso não ia parar de a retirar.

Alimentamos-lhe a esperança com a marcação de uma consulta e inspiramo-nos na sua fé para não ter medo de acreditar. Agradeceu-nos emocionada, encheu-nos a alma e o coração. Começamos a procurar respostas para possibilidades que não tínhamos ousado pensar e gente com a mesma vontade de arriscar. Felizmente, as pessoas especiais têm o dom de se cruzar quando algo de muito poderoso tem de acontecer. Foi, certamente, por isso que conhecemos o Dr. Miguel e que este nos apresentou a Dr.ª Isabel.

A quem o doce nunca amargou, foi em consistência de mel que o treino alimentar trouxe de novo a independência que parecia perdida há meio ano, bem na outra vida que já está a ficar para trás. Quando se senta à mesa, a Micas toma uma refeição normal, bebe líquidos e só precisa que os alimentos lhe sejam preparados para que possa usar colher de sobremesa, por ser mais fácil de segurar e levar à boca. Sim, recusa normalmente ajuda para se alimentar. É mesmo verdade e enche-nos de orgulho.

A Micas está feliz, principalmente por não se sentir tão dependente e por se fazer perceber melhor quando quer falar. É só o que importa para ficarmos felizes também. Temos muito para lhe agradecer porque a mestre ensinou-nos a maior das lições: nunca é tarde para recomeçar.

O futuro? Ninguém sabe, mas venha o que vier, vamos continuar aqui para o ajudar a transformar.

 

Postais

Ainda há quem escreva postais de amor? Sem saudades do que já lá vai, que tal enviar algumas linhas com carinho a alguém especial?
Sem motivo especial. Ou então, porque no frio do inverno sabe bem receber uma chávena de carinho para aquecer o coração. E todos nós sabemos que meio caminho andado para receber... É dar!

Obrigada a todos os que nos acompanham desse lado. Ainda não vos tínhamos agradecido... Que falha a nossa! Obrigada!!!

até sempre

Os dias são todos iguais: manhã, tarde e noite, pequeno almoço, almoço e jantar.
Ainda assim, os momentos que marcam o correr dos dias, que marcam a consistência do tempo que passa, deixam espaço a que a vida aconteça.
É por isso que, apesar de tudo, os dias são todos diferentes.

Há dias em que devia ser possível parar. Mas, as regras não são essas. Não dá para parar. O que não quer dizer que não se sinta dor, saudade e tristeza.

Janeiro ainda não acabou no Abrigo e já morreram quatro pessoas. É normal, é a vida. O tempo não pára e a vida vai correndo. Pequeno almoço, almoço, jantar.

No Porto de Abrigo, a fotografia em cima da cama. A jarra com uma flor. A cama feita de forma especial.
São pequenos gestos para quem fica. Para quem não se pode dar ao luxo de parar. São gestos pequenos que convidam a fechar os olhos ainda acordado, nem que seja um instante.

Temos sorte, temos muita sorte. As pessoas que passam por nós deixam-nos um pouco de si, da sua história. É uma honra para nós poder fazer parte da vida de tantas famílias.

Aqui somos uns dos outros. Mesmo quando ficamos sozinhos, com os olhos fechados nem que seja por um instante. Para dizer adeus. Até sempre.

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