Memórias

Sem dar por nada o ambiente volta a transformar-se. Os dias mais curtos escurecem num tempo frio, a precisar de encarnar o espírito nas cores, nos cheiros e nos sabores. É, outra vez, quase Natal.

Provavelmente o ritmo anda acelerado, entre preparativos e preparações. Afinal, há uma festa e uma ceia que não podem faltar. Mesmo assim, acaso se atreva a parar, esta mensagem é para si. Se puder, não deixe de a partilhar.

Este Natal ofereça memórias.

Abrande, inspire e recomece, de coração aberto e sentidos despertos. O Natal não pede prendas, o seu verdadeiro valor está no presente. Um significado para o aqui e agora: sem truques ou malabarismos. Apenas gestos simples, construindo memórias para mais tarde recordar…

A cozinha do forno a lenha a cheirar a doce canela. A sala iluminada à lareira com o crepitar da lenha a ecoar pela chaminé. Quadradinhos de chocolate em contagem decrescente até à noite mais especial. Abraços que soltam corações apertados durante meses longe da vista.

Sofás e poltronas que embalam longas sestas aconchegadas em mantas de xadrez. Histórias de encantar contadas por crianças como gente grande. Canções que afinam vozes de todas as idades em sintonia com as luzes a piscar.

Fotografias onde a família continua a crescer. E vídeos que marcam a passagem do tempo pela vida. Velhos e novos aos baralhos. Cartas e postais que se enchem de mensagens. O queijo que nem sempre pode haver e o vinho que nestes dias não pode faltar. Conversas e gargalhadas a compor o ritmo enquanto o relógio parece parar.

Tempo para estar e ficar.
Feliz Natal.

Marta Faria

fazer de conta é brincar a sério

  • O Abrigo
  • creche

 

Como fazer com que uma criança aprenda e adote um determinado hábito? Um daqueles hábitos que fazem parte de uma rotina tão sistematizada que ninguém se lembra de como o adquiriu… A criança precisa de lavar os dentes, e agora? Vai havendo tentativas: mas ela não abre a boca, trinca a escova, engole a pasta, engasga-se. Os relatos são variados.

Na creche procuramos sempre ajudar e então, desafiamos a criança de forma a motivá-la para o assunto. Uma vez tornado num interesse tudo foi mais fácil. A criança quis saber, quis aprender, quis experimentar… tornou-se a protagonista no desenvolvimento do seu próprio conhecimento. Ao que parece, deixá-la agir por si própria aumenta a sua autoestima e a sua autoconfiança. É fundamental encarar a criança como competente. Como? Dando-lhe autonomia. Fazendo com que se sinta crescida. Fazendo-a aprender a aprender.

Na nossa creche, desafiar a criança é possível com novidades e objetos outrora do mundo do “não se mexe”: Pasta? Vamos abrir para ver? Várias cores, cheiros… Posso mexer? Desafiar a criança é possível se lhe dermos espaço para ela voar! Parece difícil? Para o adulto, talvez. Para uma criança isso é muito fácil: basta usar a imaginação. E com a imaginação ela voa.

Fazer de conta é brincar a sério… e brincar – já diria alguém – é o que de mais sério as crianças fazem (Manuel Sarmento). Elas aprendem a relacionar-se com os outros, a partilhar, a exteriorizar ideias e sentimentos, a adquirir conhecimentos. Na creche, as crianças brincam com muito gosto! Fazem de conta muitas coisas! Fizeram de conta que os bebés (faz-de-conta) já nascem com dentes e por isso têm de os ajudar a tratar deles: copo, escova, pasta, água, em cima, em baixo, de um lado, do outro, à frente, atrás…

E a brincar a sério… já todas aprenderam a lavar os seus próprios dentes. Por vezes ainda se engasgam, e comem pasta é verdade … mas a cada dia que passa (por tentativa erro) tudo melhora. Já sabem tomar um pouco mais conta de si, precisam de lavar mais vezes os dentes aos bebés do faz-de-conta claro está, mas aos poucos vão conhecendo melhor o seu mundo. E assim, a brincar e a fazer de conta a criança cresce e aprende… a sério!

a música e o seu incrível poder

 

No Porto de Abrigo, a música faz parte de nós: em vários momentos do dia é frequente ouvir António Zambujo, Carminho, Amália Rodrigues, Carlos do Carmo, Tony de Matos, entre outros; uma manhã por semana recebemos um dos nossos voluntários e o seu acórdeão e quando fazemos festas com as famílias... há sempre momentos musicais. A música é importante para nós mas, só recentemente nos deparamos com o seu poder e potencial. Passamos a explicar:

O Porto de Abrigo está a participar no projeto "A Casa vai a Casa", um serviço de música ao domicílio da Casa da Música, concebido para grupos que não podem deslocar-se à Casa da Música sob o lema "Convidem-nos que nós vamos". O que está a acontecer em cada sessão é extraordinário! Vemos pessoas a tocar violino imaginário e a levantar os braços como nunca o fazem, a tocar piano imaginário, a marcar o ritmo, a vibrar, a cantar, a trautear... com o entusiasmo e dedicação que se tem quando as limitações da saúde e da idade não fazem parte das preocupações. 

Nada do que observamos nas sessões dinamizadas pelos formadores da Casa da Música é mágico. No entanto, estes senhores fazem magia. Uma magia que se consegue encontrar explicada cientificamente na literatura relacionada com a música e com a neurociência: 

1 - A música gera interações auditivo-motoras no cérebro de quem executa e no de quem ouve: pessoas com doenças neurológicas beneficiam dessas interações auditivo-motoras, como é o caso de pacientes com doença de Parkinson, que, apesar da dificuldade de locomoção, conseguem, por meio da música, adquirir um andar mais fluente. Além disso, esses pacientes conseguem dançar ao ouvir música, o que indica o envolvimento de áreas cerebrais relacionadas ao movimento com a simples audição de música (THAUT et al., 2001). Esse efeito estaria relacionado com a ativação de circuitos automáticos de movimento, normalmente perdidos durante o processo degenerativo da doença. O que se argumenta é que os circuitos que normalmente envolvem as áreas relacionadas com a locomoção vão perdendo sua função. A música, no caso, atuaria como um agente diferente ao normalmente utilizado nas tarefas motoras.

2 - Apesar da música e da linguagem utilizarem os mesmos parâmetros do som para a sua organização sonora... a música e a linguagem são processadas de forma independente no cérebro. Esta afirmação é evidente no caso das pessoas com afasia, que mantêm a capacidade de cantar e de reconhecer música, embora tenham dificuldades na fala (ZATORRE; CHEN; PENHUME, 2007).

3 - A música é inseparável da emoção. Através da música é possível criar uma conexão com as pessoas. Quando se vive em luta com os próprios pensamentos, com os medos, angústias, confusão e ansiedade... a música provoca emoções prazerosas, consegue-se entender o que é, não se pensa noutra coisa, não se sente dificuldade. Um estudo conduzido por DRAPEAU et al. (2009) avaliou o reconhecimento de emoções em faces, voz e música por pacientes com Alzheimer. Os resultados mostraram que os pacientes perdiam somente a capacidade de reconhecer emoções em faces, mantendo a capacidade de reconhecimento de emoções em vozes e música.

4 - Não se sabe por que razão a música facilita a aquisição de memória. A existência de pacientes com demência que se esquecem de fatos da própria vida, mas são capazes de cantar canções da infância de cor indica que, se não é especial, a memória para música é, ao menos, diferente da memória para fatos e imagens do quotidiano.

E agora? Agora, somos fãs!!! A Casa vai a Casa é um projeto extraordinário, que nos trouxe uma nova forma de ouvir música: não é só entretenimento ou banda sonora, é instrumento que dá vida! 

Praticar a tolerância

Novembro o mês, 16 o dia. Escolhidos para lhe dedicar atenção, com mais pompa, que as circunstâncias de hoje não deixam muita margem para duvida sobre o quanto ela nos faz falta. A tolerância. E um mundo inteiro a precisar de a praticar.

Esqueça tudo o que sabe, sem receios. Deixe ficar guardado o conhecimento acumulado e parta numa viagem pelo pensamento, com a certeza de quem confia que o saber das experiências feito se entranha debaixo da pele e, como tal, não se perde assim de repente. Tudo o que sabe há-de cá estar, quando voltar. Mas, por agora, embarque nesta aventura, mesmo que se estranhe ao começar. Recorde ou imagine um lugar pouco familiar, na companhia de uns quantos desconhecidos, por tempo indeterminado…suficiente para parecer uma situação de por os nervos em franja, não é verdade?

Parece que já se ouve: “isso não é nada normal!”, em tom de sobrolho levantado… Pois bem, já que falamos de tolerância, leia até ao final. Pensando em cenários mais próximos, vamos partir do bom princípio de questionar sempre e nunca tomar nada como verdade absoluta. Por exemplo, procure responder: o que é isso a que chamamos «normal»?

A regra, o usual. Por outras palavras, o que acontece mais vezes e que por força da repetição nos fazem crer que se torna exemplar. O risco que corremos? Julgar que normal seja sinónimo de acertado, erradamente. A consequência? Fazer cara feia à diferença quando nos esboça um sorriso, sem lhe dar a oportunidade de se apresentar e mostrar que, quase sempre, muito mais é o que nos une que aquilo que nos separa.

Da próxima vez que vir um mapa repare na quantidade de diferentes caminhos que podem levar de um ponto A a um ponto B. Não hesite em descobri-los, um a um, pelo próprio pé ou na voz de quem por lá passou. Pratique a tolerância, a pensar um mundo melhor. E acrescente valor ao seu saber com tudo o que os outros têm para dar.

Marta Faria

a carta

Olá medo, como tens passado? Espero que esta carta te encontre bem. Ainda ontem ouvi falar de ti, de maneira que fiquei a pensar e resolvi escrever-te a contar sobre os tempos que têm corrido…receio não trazer apenas boas notícias, mas sabes como não são sempre iguais os dias no mundo real.

É verdade, ainda ontem ouvi falar de ti…sabes que tens as costas largas, tu?
Vives em tantos sítios, apareces em tantos rostos, fazes parte de tantas histórias, mas raramente dizes que estás lá. Às vezes consegues andar despercebido demasiado tempo até chegar o momento em que te descobrem e te põem no lugar! E então lá vais à procura de outra casa vazia para ser nova morada.

Acho que podias perder esse hábito de te disfarçares e ires mexer com outros sentimentos só para desviar a atenção quando precisas que olhem para ti. É que as pessoas têm coisas para viver e às vezes custas-lhes muitas oportunidades, como se lhes gastasses as fichas todas antes de aprenderem a disfrutar da montanha russa, que só vale bem a pena depois de passar o frio na barriga no precipício da descida.

Escusas de ter medo, medo. Ninguém te está a mandar embora, sabes porquê? Porque as pessoas continuam a achar que é bem-vindo quem vier por bem. E tu vens por bem, se aceitares ser simplesmente quem és.

Experimenta largar as roupas que costumas usar.
Despe a camisa-de-forças, vá. Afinal, as pessoas que tanto queres prender? Ao contrário do que pensas, acabas sempre por afastá-las, levando-as para longe de si mesmas.
Larga por aí a capa, também. Pára de fazer filmes com a vida de toda a gente que encobres na tua sombra e fazes desaparecer, um pouquinho de cada vez. Se pegarem nela e a quiserem lançar pelas costas, não te oponhas, deixa-os encher de ar o espírito de super-herói.

Observa a sua coragem, espero que te sirva de inspiração. Espero que sigas os seus passos e te enfrentes. Claro que o desconhecido assusta mas se tentares é provável que apareça a esperança para te dar a mão. Se isso acontecer, salta!

Não me leves a mal, medo. Digo-te isto para teu bem. Sei que te aguentas, és mais forte do que julgas, só te falta arriscar. Também sei no que estás a pensar…e se cair?

Então…e se aprenderes a voar?

Marta Faria

I Jornadas Médicas do Idoso

 

O Núcleo de Médicos Internos da USF Famílias organizou as primeiras Jornadas Médicas do Idoso de Santa Maria da Feira com o intuito de despertar o interesse dos profissionais de saúde na temática do envelhecimento ativo e saudável. Foi com orgulho e satisfação que aceitamos o convite para partilhar a nossa experiência nas Jornadas, nomeadamente no âmbito do serviço de apoio domiciliário do Abrigo. 

Após 17 anos de experiência, neste momento, falar sobre o serviço de apoio domiciliário do Abrigo é falar sobre a necessidade de transformação, mudança e reorganização. Por respeito às pessoas de quem cuidamos, por lealdade à missão e ao papel que o Abrigo desempenha na comunidade e, principalmente, face à importância dos serviços que prestamos às famílias, hoje, sabemos que temos de fazer diferente para obter resultados diferentes. Temos de chegar mais longe na nossa capacidade de resposta. Não estamos a cuidar como gostaríamos de ser cuidados quando a relação de ajuda para com quem precisa deixa de acontecer justificada com base na falta de tempo, escassez de recursos e muito trabalho. Sim... é verdade... a partilha da nossa experiência foi um exercício de confissão pública da necessidade de mudança e reinvenção. Há muito trabalho para fazer. Tenhamos a coragem de não desistir. Tenhamos a coragem de fazer diferente.

 

humanitude

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